Depois de vários desencontros ela se sentia com o poder na palma de suas mãos, a sensação era de que podia tudo e sem dúvida tiraria proveito desse poder. Tinha dias em que ela achava que todos na rua paravam para olhar ela passar, pensava que teria quantos homens quisesse. Afirmava: "Essa noite é só minha". E depois se punia: "quanta prepotência, existem mulheres muito melhores que você, acorda queridinha"
Detestava o "-inha" diminuia todas as suas qualidades e também as expectativas. Não se dava por satisfeita com pouco, deve ser por isso que queria a admiração de todos. Que os mais burros admirassem sua inteligência mediana, que os mais feios admirassem sua beleza mediana, e que os que fossem extremamente bons e superiores admirassem pelo menos a sua humildade ou vontade de fazer o bem aos outros, também mediana.
Conseguiu o que queria, usou o poder, e confirmou suas primeiras constatações. Teve o respeito, mesmo que por um curtíssimo espaço de tempo, daquele que ela julgava ser a personificação do que é impossível e de alguns outros.
Pensava que o cheiro de seu perfume seria como esmalte vermelho, mesmo quando se tira com bastante cuidado restam manchas na unha que só saem quando se passa um outro esmalte por cima. Talvez tenha sido...
Depois de ter o que queria, não achou a menor graça (em todos os sentidos em que se pode entender a palavra graça), sente reflexos disso ainda hoje. Questiona se de fato queria o que dizia querer, se valeu a pena e se aprova o seu comportamento passado, mas tem a sensação de estar prestes a agir da mesma forma, a cometer os mesmos erros num círculo vicioso.
Bailando no ar, gemia inquieto vaga-lume:
"Quem me dera que fosse aquela loura estrela,
Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!"
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:
"Pudesse eu copiar o transparente lume,
Que, da grega coluna à gótica janela,
Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela"
Mas a lua, fitando o sol, com azedume:
"Mísera! tivesse eu aquela enorme, àquela
Claridade imortal, que toda a luz resume!"
Mas o sol, inclinando a rútila capela:
"Pesa-me esta brilhante auréola de nume...
Enfara-me esta azul e desmedida umbela...
Por que não nasci eu um simples vaga-lume?" (Machado de Assis)